Simplex urbanístico – Reforma dos licenciamentos no âmbito do urbanismo, ordenamento do território e indústria

15/01/24

Introdução

1.Que legislação é alterada?

O Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro, procede à reforma dos licenciamentos no âmbito do urbanismo, ordenamento do território e indústria, realizando alterações relevantes nos seguintes diplomas legais:

a) Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro;

b) Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38382/51, de 7 de agosto;

c) Regime Jurídico da Reabilitação Urbana, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro;

d) Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro, que estabelece o procedimento de classificação dos bens imóveis de interesse cultural, bem como o regime das zonas de proteção e do plano de pormenor de salvaguarda;

e) Regime aplicável à reabilitação de edifícios ou frações autónomas, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 95/2019, de 18 de julho;

f) Regime Jurídico das Autarquias Locais, aprovado Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro;

g) Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro;

h) Lei de bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo, aprovada pela Lei n.º 31/2014, de 30 de maio;

i) Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio.

2. Qual o objetivo da presente alteração?

A presente reforma insere-se no quadro do SIMPLEX que, entre outros, estipulou como objetivo a eliminação de licenças, autorizações e exigências administrativas desproporcionadas que criassem custos de contexto sem que tivessem uma efetiva mais-valia para o interesse público que se pretende prosseguir.

Neste panorama, através do Decreto-Lei n.º 10/2024, foram adotadas inovações relevantes em matéria urbanística, visando a simplificação e redução de custos procedimentais, sendo que através do presente damos nota das que consideramos ser as principais e mais relevantes alterações realizadas aos diplomas mencionados.

Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (“RJUE”)

3. O que muda no RJUE?

As alterações introduzidas apontam para uma simplificação profunda das regras atuais que poderão implicar a nulidade de disposições constantes dos regulamentos municipais e subsequente devolução e compensação ao particular pelos montantes indevidamente liquidados. Esta alteração obrigará – inevitavelmente - a uma revisitação dos Regulamentos Municipais de Urbanização e Edificação.

3.1. Limitação de novos procedimentos burocráticos

Em primeiro lugar, no que respeita às alterações ao RJUE, o Decreto-Lei n.º 10/2024, vem alterar o âmbito de incidência dos regulamentos municipais de urbanização e de edificação e liquidação das taxas e prestação de caução.

A este respeito, destaca-se a proibição de, no exercício da faculdade de regular aspetos relativos à urbanização e edificação cuja disciplina não esteja reservada por lei a instrumentos de gestão territorial, estabelecer regras de natureza procedimental ou instrutória, podendo, porém, dispensar o envio de elementos instrutórios. Os regulamentos que disponham sobre matérias não identificadas no elenco legalmente aprovado são nulos.

3.2. Eliminação da autorização de utilização quando o procedimento tenha sido sujeito a controlo prévio

Em segundo lugar, o legislador procede à eliminação da autorização de utilização quando a operação urbanística tenha sido sujeita a procedimento de controlo prévio (licença ou comunicação prévia), fazendo depender a utilização do edifício ou fração da apresentação de determinados elementos, após a conclusão da operação urbanística, e a alteração da utilização dos edifícios ou respetivas frações de comunicação prévia com prazo. Nesta senda, o edifício ou suas frações autónomas pode ser utilizado para a finalidade pretendida decorridos 20 dias após a submissão da comunicação prévia com prazo, salvo determinação do presidente da câmara municipal para a realização de vistoria, com algum dos fundamentos legalmente previstos.

3.3. Alterado o elenco de operações urbanísticas sujeitas a licença e comunicação prévia

Ainda no tocante aos procedimentos de controlo preventivo, foi também alterado o elenco de operações urbanísticas sujeitas a licença e comunicação prévia e estatuída a proibição de opção pelo licenciamento no caso de operação urbanística sujeita a comunicação prévia.

3.4. Alargado os instrumentos jurídicos que permitem conferir maior celeridade nos procedimentos de controlo preventivo

Destacam-se ainda, no contexto dos procedimentos de controlo preventivo, as seguintes inovações:

  • O promotor passa a poder englobar o pedido de ocupação da via pública no pedido de licenciamento ou na comunicação prévia, que integrará o título aplicável;
  • A faculdade de subdelegação da competência para atribuição da licença pelo presidente da câmara municipal torna-se extensível aos dirigentes dos serviços municipais;
  • A isenção de controlo prévio para as obras de alteração no interior de edifícios ou suas frações, desde que não prejudiquem ou afetem a estrutura de estabilidade e não impliquem modificações, dependendo da emissão de termo de responsabilidade por técnico habilitado;
  • As isenções de controlo prévio de operações urbanísticas promovidas pela Administração Pública passam a englobar, em certos casos, empresas municipais e intermunicipais, bem como institutos públicos, fundos públicos de investimento imobiliário, universidades, politécnicos e empresas públicas.

3.5. Reforço da tramitação eletrónica

Reforça-se a tramitação eletrónica dos procedimentos urbanísticos abrangidos pelo RJUE que deverá ser obrigatoriamente realizada de forma desmaterializada através de plataforma específica, Plataforma Eletrónica dos Procedimentos Urbanísticos, prevendo o que a plataforma deverá permitir aquando da tramitação dos procedimentos (p.e. a interoperabilidade com os sistemas do IRN, I.P., do BUPI e da Autoridade Tributária e Aduaneira) e remetendo para regulamentação em portaria a aprovar.

Nesta senda, fixa-se a obrigatoriedade de utilização da plataforma pelos municípios a partir de 5 de janeiro de 2026 – um prazo para adequação de dois anos.

3.6. Alargamento dos direitos conferidos nos casos de informação prévia favorável

A informação prévia favorável passa a ter por efeito a isenção de controlo prévio da operação urbanística em causa, nas seguintes situações:

  • Quando seja proferida nos termos dos n. os 2 e 3 do artigo 14.º do RJUE e contenha as menções referidas nas alíneas a) a f) do n.º 2 do mesmo artigo ou respeite a área sujeita a plano de pormenor ou a operação de loteamento;
  • Quando exista unidade de execução e se trate de:
  • Uma operação de loteamento, desde que a unidade de execução preveja o polígono de base para a implantação de edificações, a área de construção, a divisão em lotes, o número máximo de fogos e a implantação e programação de obras de urbanização e edificação;

    Obras de urbanização e trabalhos de remodelação de terrenos, desde que a unidade de execução preveja a implantação e a programação de obras de urbanização e edificação.

As operações urbanísticas abrangidas pela isenção resultante de informação prévia favorável devem ser iniciadas no prazo de dois anos após a emissão da decisão favorável e acompanhadas de declaração dos autores e coordenador dos projetos de que respeita o conteúdo, os termos e as condições da informação prévia favorável

Após o decurso do prazo de dois anos, pode ser requerido pelo interessado declaração de que se mantém os pressupostos de facto e de direito que levaram à anterior decisão favorável, devendo o mesmo decidir no prazo de 20 dias e correndo prazo de um ano para iniciar o procedimento de controlo preventivo, se os pressupostos se mantiverem ou se o presidente da câmara municipal não tiver respondido no prazo legalmente previsto.

3.7. Limitação da apreciação dos projetos de obras de edificação ao respetivo projeto

Foi efetuada ainda uma alteração relevante no que respeita à apreciação dos projetos de obras de edificação, limitando-se objetivamente o âmbito de incidência da análise de conformidade dos projetos, vedando-se a apreciação de quaisquer outros elementos, designadamente dos projetos respeitantes a obras no interior dos edifícios ou suas frações, da existência de compartimentos ou locais para caixotes do lixo ou outros elementos de mobiliário urbano e dos projetos de especialidade.

3.8. Alargamento dos prazos de deliberação sobre o pedido de licenciamento e fixação de deferimento tácito

São alargados os prazos de deliberação da câmara municipal sobre o pedido de licenciamento, porém, passa a estar sujeita a deferimento tácito, incluindo, quando solicitado a licença para ocupação da via pública.

3.9. Limitação das situações de consulta pública

O legislador veio estabelecer que não há lugar a consulta pública quando, cumulativamente, se verifique que a operação de loteamento está isenta de controlo prévio, ao abrigo do artigo 7.º do RJUE, e tenha existido avaliação ambiental de plano, com sujeição a consulta pública.

3.10. Eliminação do alvará de licença de construção nas operações urbanísticas

As operações urbanísticas objeto de licenciamento são tituladas pelo recibo de pagamentos das taxas legalmente devidas, cuja emissão é condição de eficácia da licença, eliminando-se o alvará de licença de construção. Nisto, o prazo de execução da obra inicia a sua contagem na data de emissão da respetiva licença ou da data do pagamento das taxas, quando ocorra deferimento tácito ou esteja em causa operação urbanística sujeita a comunicação prévia.

3.11. Clarificação do instrumento jurídico a adotar pelas entidades abrangidas pelas isenções de controlo prévio previstas no artigo 7.º do RJUE

As entidades abrangidas pelas isenções de controlo prévio previstas no artigo 7.º do RJUE passam a poder celebrar contratos de concessão de gestão do domínio municipal independentemente do disposto em diploma próprio, desde que os mesmos prevejam: (i) Prazo de vigência; (ii) Conteúdo do direito de uso privativo; e (iii) As obrigações do concessionário e do município em matéria de realização de obras, de prestação de serviços, manutenção de infraestruturas, garantias a prestar e os modos e termos do sequestro, resgate e rescisão.

3.12. Medidas para a habitação pública

Como nota final, cumpre dar nota das alterações ao RJUE relativas à habitação pública, nomeadamente:

  • As operações de loteamento devem prever, além das áreas para as finalidades já previstas, áreas destinadas a habitação pública, de custos controlados ou para arrendamento acessível;
  • O proprietário e os demais titulares de direitos reais sobre o prédio a lotear cedem ainda gratuitamente ao município as parcelas para implantação habitação pública, a custos controlados ou para arrendamento acessível que, de acordo com a lei e a licença ou comunicação prévia, devam integrar o domínio municipal.

Regulamento Geral das Edificações Urbanas (“RGEU”)

4. O que muda no RGEU?

As alterações ao RGEU recaíram, desde logo, sobre a forma como as edificações devem ser construídas e intervencionadas. Com efeito, passa a prever-se que as edificações devem ser construídas e intervencionadas de modo a garantir a satisfação das exigências em matéria de acessibilidades e de ventilação.

O RGEU foi também alterado no que respeita às normas relativas aos seguintes aspetos:

  • Paredes das casas de banho, retretes, copas, cozinhas e locais de lavagem;
  • Guarnecimento dos vãos abertos em paredes exteriores;
  • Suscetibilidade de fusão de cozinha com outros compartimentos;
  • Equipamento mínimo para instalações sanitárias;

Por outro lado, a verificação para efeitos de emissão de autorização para a ocupação duradoura de logradouros, pátios ou recantos das edificações com quaisquer construções e o pejamento dos mesmos locais com materiais ou volumes de qualquer natureza passa a incluir ainda como fatores adicionais para aferição de prejuízo a qualidade arquitetónica.

Relativamente à construção de caves destinadas à habitação, as condições de habitabilidade deixam de ter que ser reconhecidas pelas câmaras municipais.

O início de obras de ampliação ou outra transformação que resulte no aumento das cargas transmitidas aos elementos não transformados da edificação ou as fundações passa a depender de termo de responsabilidade do autor do projeto que certifique que a edificação suportará com segurança o acréscimo de solicitação resultante da obra projetada.

Por último, o RGEU passa a ser expressamente aplicável a construções modulares de carácter permanente, que é caracterizada por utilizar elementos ou sistemas construtivos modulares, estruturais ou não estruturais, parcial ou totalmente produzidos em fábrica, previamente ligados entre si ou no local de implantação, independentemente da sua natureza amovível ou transportável.

O Decreto-Lei n.º 10/2024 procede ainda à revogação do RGEU com efeitos reportados a 1 de junho de 2026, estabelecendo que, até 1 de junho de 2026, no âmbito do desenvolvimento do Código da Construção, as ordens profissionais competentes definem as regras de ordem técnica que considerem adequadas para a preparação dos projetos relativos às edificações urbanas.

Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (“RJRU”)

5. O que muda no RJRU?

O Regime Jurídico da Reabilitação Urbana sofreu igualmente alterações assinaláveis, em parte, consequência das alterações já referidas ao RJUE, desde logo, na supressão de determinadas referências a autorização de utilização.

A respeito da consulta a entidades externas, suprime-se o prazo de pronúncia de 10 dias das entidades cujo membro representante da comissão de apreciação tenha faltado, considerando-se, agora, que as entidades cujo representante tenha faltado nada têm a opor ao deferimento do pedido.

Acresce que, em caso de pronúncia desfavorável, as entidades que devam emitir parecer, autorização ou aprovação sobre o pedido formulado devem indicar expressamente as razões da sua discordância e, em todo o caso (e não apenas quando possível), quais as alterações necessárias para a viabilização do projeto.

Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro

6. O que muda nas operações urbanísticas nas zonas de proteção de bens imóveis em vias de classificação ou de bens imóveis classificados de interesse nacional ou de interesse público?

As alterações ao Decreto-Lei n.º 309/2009 circunscreveram-se ao respetivo artigo 51.º, sendo que, nas zonas de proteção de bens imóveis em vias de classificação ou de bens imóveis classificados de interesse nacional ou de interesse público, as operações urbanísticas relativas a obras de construção, reconstrução, alteração, ampliação, conservação ou demolição sujeitas ao procedimento de licença nos termos do RJUE, passam a estar sujeitas a parecer prévio vinculativo do Património Cultural, I. P., ou da comissão de coordenação e desenvolvimento regional territorialmente competente.

Contudo, também as exceções à sujeição a parecer prévio vinculativo foram alargadas aos seguintes casos:

  • As obras no interior de bens imóveis, incluindo as obras de arquitetura, de pintura e relativas a especialidades, nomeadamente águas, esgotos, gás, eletricidade, comunicações, segurança e ar condicionado centralizado, desde que não se verifique impacte no subsolo ou alterações relativas a azulejos, estuques, cantarias, marcenaria, talhas ou serralharia;
  • As obras de conservação no exterior dos bens imóveis sem alteração sobre elementos arquitetónicos relevantes, incluindo a pintura dos edifícios sem alterações da respetiva cor;
  • A instalação de reclamos publicitários, sinalética, toldos, esplanadas e mobiliário urbano abrangidos por zonas de proteção de bens imóveis em vias de classificação ou de bens imóveis classificados de interesse nacional ou de interesse público, podendo a entidade competente em matéria de património cultural definir normas e critérios subjacentes à utilização dos mesmos.

Regime aplicável à reabilitação de edifícios ou frações autónomas

7. O que muda no regime aplicável à reabilitação de edifícios ou frações autónomas?

O regime aplicável à reabilitação de edifícios ou frações autónomas viu-se também alterado cirurgicamente. A alteração visou impedir que a portaria que estabelece os termos da sujeição das obras de ampliação, alteração ou reconstrução à elaboração de avaliação sísmica do edifício possa conferir poderes às câmaras municipais para apreciação do relatório.

Regime Jurídico das Autarquias Locais (“RJAL”)

8. O que muda no RJAL?

O Decreto-Lei n.º 10/2024, no âmbito das alterações ao RJAL, vem alargar o elenco de competências suscetíveis de ser objeto de delegação ou subdelegação pelo presidente da câmara municipal e vereadores nos dirigentes, passando a incluir as competências previstas no artigo 5.º do RJUE, ou seja, a competência para atribuição de licença e aprovação de informação prévia.

Código Civil

9. O que muda no Código Civil?

Ao Código Civil foi aditado o artigo 1422.º-B, que, por sua vez, vem estabelecer que a alteração do fim ou do uso a que se destina cada fração para habitação não carece de autorização dos restantes condóminos, exceção à regra geral prevista no artigo 1422.º do Código Civil.

Neste caso, os condóminos que alterem a utilização da fração junto da câmara municipal passam a ter o poder de, por ato unilateral constante de escritura pública ou de documento particular autenticado, introduzir a correspondente alteração no título constitutivo, devendo comunicar ao administrador a escritura pública ou o documento particular autenticado no prazo de 10 dias.

Lei de bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo (“LBPSOTU”)

10. O que muda no LBPSOTU?

A LBPSOTU sofreu também algumas alterações com a aprovação do Decreto-Lei n.º 10/2024.

A aceção de “solo urbano” foi ampliada e passa a entender-se não apenas como o solo que está total ou parcialmente urbanizado ou edificado e, como tal, afeto à urbanização ou à edificação em plano territorial, mas ainda em deliberação dos órgãos das autarquias locais, nos termos da lei, mediante contratualização para a realização das respetivas obras de urbanização e edificação.

A este propósito é ainda aditado que no âmbito dos procedimentos de elaboração, alteração ou revisão dos planos territoriais de âmbito intermunicipal ou municipal ou através de outros mecanismos ou procedimentos previstos na lei podem ser propostas desafetações ou alterações dos condicionamentos do aproveitamento específico do solo resultantes das restrições de utilidade pública, em função da respetiva avaliação e ponderação, nos termos e condições previstos na lei.

No que respeita à classificação como solo urbano, foi aditado o artigo 10.º-A que impõe a manutenção da classificação como solo urbano dos terrenos que cumulativamente:

  • Ainda estejam classificados em instrumento de gestão territorial em vigor como solo urbanizável ou solo urbano com urbanização programada;
  • Sejam propriedade exclusivamente pública;
  • O uso predominante previsto seja o habitacional;
  • A sua promoção esteja inserida no âmbito da execução de uma estratégia local de habitação, nos termos do artigo 30.º do Decreto -Lei n.º 37/2018, de 4 de junho, na sua redação atual, ou de uma carta municipal de habitação ou bolsa de habitação ou habitação a custos controlados, nos termos da Lei n.º 83/2019, de 3 de setembro.

Em sentido articulação com as alterações feitas ao RJUE em matéria de habitação pública, os proprietários têm, agora, o dever de ceder áreas legalmente exigíveis não apenas para infraestruturas, equipamentos, espaços verdes e outros espaços de utilização coletiva, mas também para habitação pública, a custos controlados ou para arrendamento acessível.

Em contrapartida, a obrigatoriedade da respetiva aquisição pela Administração Pública no prazo estabelecido no plano territorial ou no instrumento de programação passa também a aplicar-se ao solo reservado para habitação pública, a custos controlados ou para arrendamento acessível, que tenha por objeto propriedade privada.

Acresce que se excecionam os casos em que o uso do solo se destina a habitação, desde que a respetiva propriedade seja exclusivamente pública, da obrigação de redefinição do uso do solo mediante a elaboração ou alteração de instrumento de gestão territorial pelas autarquias ou associações municipais.

Nestes casos, na ausência de decisão de oposição da câmara municipal territorialmente competente, presume-se a compatibilidade do uso habitacional, sendo aplicáveis, com as devidas adaptações, as normas do plano relativas às parcelas confinantes e com as quais a parcela em causa tenha condições para constituir uma unidade harmoniosa.

O direito de preferência do Estado, regiões autónomas e autarquias locais nas transmissões onerosas de prédios entre particulares passa a poder ter como finalidade a promoção de habitação pública ou a custos controlados.

Os objetivos da redistribuição de benefícios e encargos devem, agora, ter também em consideração a disponibilização de terrenos e edifícios ao município para a implementação de habitação pública, a custos controlados ou para arrendamento acessível. Neste sentido, também nos tipos de redistribuição de benefícios e encargos é incluída a contribuição com áreas para habitação pública, a custos controlados ou para arrendamento acessível.

Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (“RJIGT”)

11. O que muda no RJIGT?

As alterações do RJIGT foram, em determinados aspetos semelhantes às realizados na LBPSOTU, em particular no que respeita à promoção da habitação.

Os programas e planos territoriais passam a identificar também as redes de infraestruturas e os equipamentos de nível fundamental que asseguram a otimização do acesso à habitação.

No tocante ao conteúdo material dos programas intermunicipais, os padrões mínimos e os objetivos a atingir que devem ser definidos, agora, devem ainda abranger a matéria de transição energética, sendo admissível a inclusão de projetos e iniciativas de produção, armazenamento, distribuição e consumo de energia de fonte renovável, sob condição do cumprimento do quadro normativo e regulamentar aplicável à respetiva implementação e entrada em exploração.

11.1. O que muda na Transição Energética?

A transição energética é também englobada nos objetivos dos planos municipais, os quais devem prever princípios e regras que assegurem a sua concretização.

11.2. Pareceres da comissão consultiva de acompanhamento da elaboração do plano diretor municipal passam a substituir o parecer dos respetivos serviços

No contexto da comissão consultiva de acompanhamento da elaboração do plano diretor municipal, a posição manifestada pelos representantes dos serviços e entidades da administração direta ou indireta do Estado e das regiões autónomas na comissão consultiva não apenas substitui os pareceres que aqueles serviços e entidades devem emitir, a qualquer título, sobre o plano, nos termos legais e regulamentares, ficando ainda expressamente proibida a emissão de parecer escrito ou outra forma de pronúncia.

11.3. Que prazos do RJIGT são reduzidos?

São reduzidos os prazos no âmbito dos trâmites subsequentes à conclusão da elaboração do plano. A remessa da documentação recebida pela comissão de coordenação e desenvolvimento regional territorialmente competente para as entidades representativas dos interesses ponderáveis deve ser efetuado no prazo de cinco (antes 10) dias, devendo a conferência procedimental ser realizada no prazo de 15 (antes 20) dias a contar da data de expedição da documentação.

A redução dos prazos ocorre ainda relativamente aos procedimentos administrativos subsequentes à conclusão da elaboração dos planos municipais que devem ser concretizados de modo que, entre a respetiva aprovação e a publicação no Diário da República, medeiem os prazos máximos de 45 (antes 60) dias para o plano diretor municipal e 25 (antes 30) dias para o plano de pormenor.

11.4. Quais as novidades na aprovação de planos intermunicipais e municipais

No âmbito da alteração simplificada de planos intermunicipais e municipais, dispensa-se a aprovação pela assembleia municipal, pelo conselho metropolitano, pela assembleia intermunicipal ou pelas assembleias municipais dos municípios associados para o efeito, consoante os casos, mediante proposta do executivo, nos casos em que, de acordo com o previsto na atual redação conferida à LBPSOTU, a obrigação de redefinição do uso do solo mediante a elaboração ou alteração de instrumento de gestão territorial pelas autarquias ou associações municipais esteja excluída pelo facto do uso do solo se destinar a habitação, quando a respetiva propriedade seja exclusivamente pública.

Nestes casos, na ausência de decisão de oposição da câmara municipal territorialmente competente por razões de interesse público no prazo de 20 dias contados a partir da data da comunicação da pretensão, presume-se a compatibilidade do uso habitacional, sendo aplicáveis, com as devidas adaptações, as normas do plano relativas às parcelas confinantes e com as quais a parcela em causa tenha condições para constituir uma unidade harmoniosa.

11.5. Quais as novidades no que respeita à delimitação da unidade de execução?

No que respeita à delimitação da unidade de execução, passa a poder associar-se designadamente os seguintes elementos:

  • O desenho urbano;
  • As parcelas;
  • Os alinhamentos;
  • O polígono de base para implantação das edificações;
  • A altura total das edificações;
  • A altura das fachadas;
  • A divisão em lotes;
  • O número máximo de fogos;
  • A área de construção e o respetivo uso;
  • A programação das obras de urbanização;
  • A contratualização para a sua implementação.

Em conformidade com as alterações realizadas em matéria de habitação pública, os planos territoriais podem, agora, estabelecer também reservas de solo para a execução de habitação pública, a custos controlados ou para arrendamento acessível.

Neste sentido, também as operações de reestruturação da propriedade passam a visar localizar as áreas a ceder obrigatoriamente pelos proprietários destinadas para habitação pública.

Ainda nesta senda, o plano diretor municipal passa a fixar uma área de cedência média para a habitação pública, considerando os respetivos parâmetros de dimensionamento, nos termos definidos no RJUE.

11.6. Qual o novo procedimento simplificado de reclassificação dos solos?

Foi ainda instituído um novo procedimento simplificado de reclassificação dos solos – o artigo 72.º-A do RJIGT–, destinada à reclassificação de solo rústico para urbano nas situações em que se verifique cumulativamente o seguinte:

a) O solo se destine à instalação de atividades industriais, de armazenagem ou logística e serviços de apoio, ou a portos secos;

b) O espaço não se localize em áreas sensíveis, na Reserva Ecológica Nacional ou na Reserva Agrícola Nacional.

Neste procedimento, a proposta de reclassificação é elaborada pela câmara municipal, promovendo em simultâneo uma única consulta pública, com a duração de 10 dias, e uma conferência procedimental com as entidades relevante.

Após os referidos trâmites, a câmara municipal procede às alterações que entender necessárias e submete a proposta a aprovação da assembleia municipal, podendo ser convocada uma reunião extraordinária para o efeito, sendo, por fim, a deliberação da assembleia municipal de aprovação da reclassificação dos solos publicada em Diário da República.

O procedimento simplificado ora resumidamente exposto, aplica-se, com as devidas adaptações, à reclassificação de solo rústico para solo urbano destinado a habitação a custos controlados ou uso habitacional – devendo-se a este respeito atentar-se para o recém aditado artigo 72.º-B do RJIGT – , desde que previsto em:

  • Estratégia local de habitação;
  • Carta municipal de habitação; ou
  • Bolsa de habitação.

Entrada em vigor

12. Quando entram em vigor as respetivas disposições?

O regime transitório importa algum cuidado na sua aplicação uma vez que há artigos que retroagem a sua vigência a 1 de janeiro de 2024.

Assim, o Decreto-Lei n.º 10/2024 entra em vigor a 4 de março de 2024, com as seguintes exceções:

  • As alterações aos artigos 6.º, 6.º -A, 7.º e 93.º do RJUE entram em vigor a 1 de janeiro de 2024;
  • O novo artigo 40.º -A do RJUE entra em vigor a 1 de janeiro de 2024;
  • As alterações ao RGEU entram em vigor a 1 de janeiro de 2024;
  • A alteração ao artigo 51.º do Decreto -Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro, entra em vigor a 1 de janeiro de 2024;
  • A alteração ao artigo 1422.º e o aditamento do artigo 1422.º -B ao Código Civil entram em vigor a 1 de janeiro de 2024;
  • A eliminação da obrigação de apresentação da autorização de utilização e da ficha técnica de habitação nos atos de transmissão da propriedade de prédios urbanos entra em vigor a 1 de janeiro de 2024;
  • A disponibilização no Diário da República, de forma sistematizada e por município, dos regulamentos urbanísticos entra em vigor a 8 de abril de 2024;
  • A obrigação de solicitar e emitir pareceres através do Sistema Eletrónico para a Emissão de Pareceres entra em vigor a 6 de janeiro de 2025;
  • O regime jurídico aplicável à Plataforma Eletrónica dos Procedimentos Urbanísticos entra em vigor a 5 de janeiro de 2026;
  • A apresentação obrigatória do projeto de arquitetura de acordo com a metodologia BIM entra em vigor a 1 de janeiro de 2030.

As alterações promovidas pelo Decreto-Lei n.º 10/2024 aplicam-se aos procedimentos iniciados antes da entrada em vigor e que se encontrem pendentes, salvo no que respeita à formação de deferimento tácito em procedimentos urbanísticos.


→ Para mais informações contactar:

Tiago Silva Abade
Associado Principal
Coordenador do Departamento de Público

Bernardo Xavier Cid
Advogado Associado
Direito Público

Francisco Sousa Coutinho
Associado Principal
Coordenador do Departamento de Imobiliário

João Ribeiro Pereira
Advogado Sénior
Direito Imobiliário