Enquadramento
O Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro, que revoga o Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, e simultaneamente estabelece e reforça os direitos dos consumidores em caso de falta de conformidade de bens móveis, de bens imóveis e de conteúdos e serviços digitais e, consequentemente, introduz um alargado conjunto de alterações nas garantias que as empresas têm de dar aos consumidores. Novos prazos, novos direitos na compra e venda de bens móveis e imóveis, novas realidades abrangidas nos serviços digitais, uma nova hierarquia de direitos que impacta nos contratos, seguros e atividade das empresas e que entra em vigor a 1 de janeiro de 2022.
Porque muda?
O Decreto-Lei procede à transposição para a ordem jurídica interna da Diretiva (UE) 2019/771, relativa a certos aspetos dos contratos de compra e venda de bens, e da Diretiva (UE) 2019/770, relativa a certos aspetos relativos ao fornecimento de conteúdos e serviços digitais, ambas aprovadas na sequência da estratégia europeia para o Mercado Único Digital.
Quais as atividades e entidades que poderão ser abrangidas pela medida?
Setores do comércio de venda a retalho - inclusive operadores de mercado em linha - setor da construção para habitação, bem como do comércio de conteúdos ou serviços digitais.
Qual o âmbito de aplicação?
O presente Decreto-Lei aplica-se aos contratos de compra e venda celebrados entre consumidores e profissionais, incluindo os contratos celebrados para o fornecimento de bens a fabricar ou a produzir; aos bens fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada ou de outra prestação de serviços, bem como à locação de bens; aos conteúdos ou serviços digitais que estejam incorporados em bens, ou que com eles estejam interligados e sejam fornecidos com os bens nos termos de um contrato de compra e venda; e aos contratos de fornecimento de conteúdos ou serviços digitais (em que haja pagamento de um preço pelo consumidor, o consumidor deva facultar dados pessoais ao profissional ou os conteúdos e serviços digitais sejam desenvolvidos conforme as especificações do consumidor).
Quais as principais medidas aplicáveis à compra e venda de bens de consumo?
- Alargamento do prazo de garantia por falta de conformidade para 3 anos, mantendo-se a presunção de que a falta de conformidade existia à data de entrega do bem nos primeiros 2 anos. O prazo de garantia pode ser reduzido para 18 meses no caso de bens móveis usados (exceto se for bem recondicionado).
- Em caso de falta de conformidade, o consumidor deve, primeiro, optar entre a reparação e a substituição do bem (a expensas do profissional). Se estas forem impossíveis ou se a não-conformidade se mantiver, o consumidor poderá escolher entre a redução proporcional do preço e a resolução do contrato. Estes direitos transmitem-se ao terceiro adquirente do bem.
- O bem reparado beneficia de um prazo de garantia adicional de seis meses por cada reparação até ao limite de quatro reparações (informação que deve ser transmitida pelo profissional).
- Se a falta de conformidade se manifestar no prazo de 30 dias após a entrega do bem, o consumidor pode solicitar a imediata substituição do bem ou a resolução do contrato (“direito de rejeição”).
- O produtor é obrigado a disponibilizar as peças necessárias à reparação dos bens de consumo durante o prazo de 10 anos após a colocação em mercado da última unidade do respetivo bem. No caso de bens sujeitos a registo, deve ainda garantir assistência pós-venda pelo mesmo prazo.
- O consumidor pode resolver o contrato no caso de incumprimento pelo profissional da obrigação de entrega na data acordada ou no prazo de 30 dias após a celebração do contrato.
- Após a resolução do contrato, o profissional deve restituir ao consumidor a totalidade do montante pago em até 14 dias. Em caso de incumprimento deste prazo, o consumidor tem direito à devolução em dobro do montante pago, se a resolução for motivada por atraso na entrega.
Quais as principais medidas aplicáveis à compra e venda de bens imóveis?
- Alteração do prazo de garantia e da presunção de falta de conformidade à data da entrega para 10 anos, em relação a faltas de conformidade relativas a elementos construtivos estruturais, ou para 5 anos, em relação às demais faltas de conformidade. Havendo substituição do bem imóvel, o profissional é responsável pela falta de conformidade que ocorra no bem sucedâneo durante os mesmos prazos.
- Diante da falta de conformidade, o consumidor pode optar pela sua reposição por meio de reparação ou de substituição, pela redução proporcional do preço ou pela resolução do contrato. Estes direitos transmitem-se ao terceiro adquirente do bem imóvel.
Quais as principais medidas aplicáveis ao fornecimento de conteúdos e serviços digitais?
- Sempre que o contrato estipule um único ato de fornecimento ou uma série de atos individuais de fornecimento, o profissional deve assegurar que as atualizações são comunicadas e fornecidas ao consumidor, durante o período razoavelmente esperado pelo mesmo.
- O profissional é responsável por qualquer falta de conformidade que (i) exista no momento do fornecimento, nos contratos em que seja estipulado um único ato de fornecimento ou uma série de atos individuais de fornecimento, durante o prazo de dois anos (existindo uma presunção a favor do consumidor durante um ano); ou (ii) ocorra ou se manifeste no período durante o qual os conteúdos ou serviços digitais devam ser fornecidos, nos contratos em que seja estipulado um fornecimento contínuo (existindo uma presunção a favor do consumidor durante todo o período em que sejam fornecidos os conteúdos ou serviços).
- Em caso de falta de conformidade, o consumidor pode requerer a reposição da conformidade. Somente se esta for impossível ou se a falta de conformidade reaparecer, poderá o consumidor escolher entre a redução proporcional do preço e a resolução do contrato. Estes direitos transmitem-se ao terceiro adquirente do conteúdo ou serviço digital.
- Em caso de resolução do contrato, o profissional deve reembolsar o consumidor de todos os montantes pagos dentro de 14 dias. No mesmo prazo, o profissional pode pedir ao consumidor a devolução do suporte material no qual os conteúdos digitais foram fornecidos.
- O profissional pode alterar os conteúdos ou serviços digitais fornecidos em contratos de fornecimento contínuo ou em uma série de atos individuais de fornecimento quando tal for permitido pelo contrato e não implicar custos adicionais ao consumidor e este seja informado da alteração. Nos casos em que a alteração tenha um impacto negativo no acesso ou na utilização dos conteúdos ou serviços digitais, o consumidor tem o direito a resolver o contrato.
Quais as principais medidas aplicáveis aos prestadores de mercado em linha?
O prestador de mercado em linha é solidariamente responsável perante o consumidor pela falta de conformidade dos bens e dos conteúdos ou serviços digitais disponibilizados por seus parceiros contratuais. O prestador de mercado em linha é considerado parceiro contratual do profissional sempre que exerça influência predominante na celebração do contrato, a qual pode ser aferida com base em quaisquer factos suscetíveis de fundar no consumidor a confiança de que o prestador de mercado em linha tem uma influência predominante sobre o profissional que disponibiliza o bem, conteúdo ou serviço digital. Independentemente, o prestador de mercado em linha tem o direito de ser indemnizado pelo profissional (direito de regresso).
Novos direitos e realidades – Falta de conformidade de um bem
A conformidade de um bem pode ser aferida em relação a declarações públicas feitas pelo profissional, designadamente a publicidade. O consumidor que tenha adquirido um bem, conteúdo ou serviço digital que apresente uma falta de conformidade pode optar por exigir do produtor a sua reparação ou substituição (responsabilidade direta do produtor, à semelhança do disposto no revogado Decreto-Lei n.º 67/2003). Mantém-se a possibilidade de prestação de uma garantia comercial (“garantias voluntárias”, na redação do revogado Decreto-Lei n.º 67/2003), a qual vincula o garante nos termos das condições previstas na declaração de garantia comercial e da publicidade disponibilizada. Os direitos resultantes desta garantia transmitem-se ao terceiro adquirente do bem.
Quem fiscaliza?
A fiscalização do cumprimento das medidas compete à ASAE e, no que respeita aos bens imóveis, ao Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I.P.
Qual o regime contraordenacional?
Em caso de infração, prevê-se a aplicação de contraordenações económicas graves, sendo a tentativa e a negligência igualmente puníveis nos termos do RJCE.
A instrução dos processos de contraordenação e consequente aplicação de coimas competem igualmente à ASAE e, no que respeita aos bens imóveis, ao Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I.P.
Como articula com outros diplomas normativos?
Em caso de conflito entre as disposições do presente Decreto-Lei e o direito da União Europeia em matéria de proteção de dados pessoais, prevalece este último. Igualmente, o Decreto-Lei em análise não prejudica a aplicação do Regulamento (UE) 2016/679 e da Lei n.º 41/2004, nem do direito da União Europeia e a legislação nacional em matéria de direitos de autor e direitos conexos, incluindo a Lei n.º 50/2004.
Aplicação no tempo
O presente Decreto-Lei aplica-se aos contratos de fornecimento de conteúdos e serviços digitais celebrados antes da sua entrada em vigor que prevejam o fornecimento contínuo ou de uma série de atos individuais de fornecimento de conteúdos ou serviços digitais apenas no que respeita aos conteúdos ou serviços digitais que sejam fornecidos a partir da data de entrada em vigor do presente Decreto-Lei.
Entrada em vigor
O Decreto-Lei n.º 84/2021 inicia vigência a 1 de janeiro de 2022.
As informações acima não pretendem ser uma análise exaustiva à totalidade das alterações ao regime legal vigente, mas uma seleção daquelas que a CCR Legal entende serem as mais relevantes, e não dispensam a consulta da CCR Legal e/ou diplomas às quais as mesmas se referem. Para mais informações contacte:
Partilhe
|