Enquadramento
A Lei n.º 26/2020, de 21 de julho (“Lei”), transpõe para o ordenamento jurídico português a Diretiva n.º 2018/822, do Conselho, de 25 de maio de 2018, mais conhecida por “DAC 6”.
Este regime visa desencorajar a utilização de mecanismos de planeamento fiscal potencialmente agressivo. Por referência a caraterísticas-chave, este diploma delimita os mecanismos a reportar à Autoridade Tributária e os responsáveis pelo seu cumprimento. Adicionalmente, fixa o regime sancionatório associado à violação de tais obrigações.
A. Mecanismos
A Lei abrange quer mecanismos transfronteiriços, quer mecanismos domésticos. A sua principal inovação reside precisamente no alargamento do escopo da diretiva aos mecanismos domésticos, dando continuidade ao regime previsto no Decreto-Lei n.º 29/2008, de 25 de fevereiro, entretanto revogado.
B. Caraterísticas-chave
O conceito de mecanismo de planeamento fiscal potencialmente agressivo não se encontra definido. O preenchimento deste conceito deve ser aferido à luz de indícios designados por “caraterísticas-chave”. Para que um mecanismo seja considerado reportável deve conter, pelo menos, uma das caraterísticas-chave seguintes, as quais estão agrupadas por categorias (Categorias A a E):
- Categoria A
- Cláusula de confidencialidade (*)
- Success fee (*)
- Produto standard (*)
- Categoria B
- Aquisição de empresa deficitária (*)
- Conversão de rendimento em outra categoria de rendimento sujeito a um regime tributário mais favorável (*)
- Operações circulares (round-tripping) (*)
- Categoria C
- Dedutilidade de pagamentos transfronteiriços entre empresas associadas (*)
- Dupla ou plúrima dedução sobre a mesma depreciação de um ativo
- Transferência de ativos que envolva uma diferença material no montante pagável (preço)
- Categoria D
- Troca automática de informações relativas a contas financeiras
- Estruturas opacas
- Categoria E
- Dissonância face às Guidelines da OCDE
- Transferência de ativos intangíveis difíceis de avaliar entre empresas associadas
- Transferência de funções, riscos e ativos entre empresas associadas
As caraterísticas-chave da Categoria A não são aplicáveis aos mecanismos domésticos, aplicando-se apenas aos mecanismos transfronteiriços. As caraterísticas-chave sinalizadas com (*) estão sujeitas ao teste do benefício principal, pelo que em tais situações, o nascimento da obrigação de reporte pressupõe o preenchimento desse teste.
C. Q Teste do benefício principal
Está preenchido sempre que o mecanismo vise primacialmente a obtenção de uma vantagem fiscal. A verificação do teste do benefício principal deve ser aferida objetivamente à luz de todas as circunstâncias e factos relevantes.
D. Sujeitos destinados ao cumprimento da obrigação de reporte
A obrigação de reporte incide sobre o intermediário. Porém, se o intermediário tiver agido a coberto de um dever de sigilo (seja legal seja contratual), tal obrigação impende sobre o contribuinte relevante. Contudo, se o contribuinte relevante incumpri-la, a obrigação de reporte retorna ao intermediário, cessando o seu dever de sigilo. A Lei define duas tipologias de intermediários:
- O promotor: qualquer pessoa que conceba, comercialize, organize, disponibilize para aplicação ou administre a aplicação de um mecanismo a comunicar;
- O prestador de serviços: qualquer pessoa que saiba ou possa razoavelmente esperar-se que saiba que se comprometeu a prestar ajuda, assistência ou aconselhamento na conceção, comercialização, organização ou disponibilização para aplicação do mecanismo a comunicar ou que se comprometeu à administração da aplicação do mecanismo.
Relativamente ao contribuinte relevante, a Lei defini-o como a pessoa ou entidade sem personalidade jurídica a quem tenha sido disponibilizado para aplicação o mecanismo a comunicar ou que esteja preparada para aplicá-lo ou que tenha aplicado uma sua etapa ou parte.
E. Impostos excluídos
- Direitos aduaneiros;
- Impostos Especiais sobre o Consumo;
- Contribuições obrigatórias para a Segurança Social;
- Imposto sobre o Valor Acrescentado (excluído apenas quanto aos mecanismos transfronteiriços).
F. Prazos gerais de reporte
- 31.08.2020 – mecanismos transfronteiriços cujo primeiro passo tenha tido lugar entre 25.06.2018 e 30.06.2020;
- 30 dias [1] – mecanismos transfronteiriços e domésticos a partir de 01.07.2020;
- 31.10.2020 – primeira troca automática de informações entre as autoridades fiscais dos diversos Estados-membros da União Europeia.
G. Diferimento dos prazos de reporte
No dia 24 de junho de 2020, o Conselho Europeu aprovou a Diretiva 2020/876, a qual abre aos Estados-membros a possibilidade de extensão dos prazos de reporte. Portugal ainda não fez uso desta possibilidade. A concretizar-se, terá lugar através de novo diploma legal e pressuporá a aplicação dos seguintes prazos:
- 28.02.2021 – mecanismos transfronteiriços cujo primeiro passo tenha tido lugar entre 25.06.2018 e 30.06.2020;
- 31.01.2021 – mecanismos transfronteiriços entre 01.07.2020 e 31.12.2020;
- 30.04.2021 – primeira troca automática de informações entre as autoridades fiscais dos diversos Estados-membros da União Europeia.
H. Regime contraordenacional
A Lei prevê a aplicação das seguintes coimas [2]:
- De 6.000 EUR a 160.000 EUR – pela falta de apresentação da informação ou pela sua apresentação fora do prazo;
- De 2.000 EUR a 120.000 EUR – pela omissão ou inexatidão da informação prestada à Autoridade Tributária;
- De 3.000 EUR a 160.000 EUR – pela falta de apresentação ou apresentação fora do prazo de esclarecimentos, aperfeiçoamentos ou informação complementar requerida pela Autoridade Tributária.
No que respeita aos mecanismos transfronteiriços cujo primeiro passo tenha tido lugar entre 25.06.2018 e 30.06.2020, os mencionados limites mínimo e máximo das coimas são reduzidos para 1/5.
I. Situações excluídos do âmbito de aplicação do regime
Ficam excluídos do âmbito de aplicação da Lei n.º 26/2020, de 21 de julho:
- A mera comunicação de informação estritamente descritiva de regimes tributários existentes (incluindo benefícios fiscais);
- O aconselhamento relativo a uma situação tributária existente do contribuinte relevante (incluindo aconselhamento no âmbito de procedimentos e processos tributários).
J. Entrada em vigor
A Lei entrou em vigor a 22 de julho de 2020.
[1] As situações cobertas pelo dever de sigilo pressupõem a coordenação de diversos prazos, implicando na prática o alargamento deste prazo de 30 dias.
[2] Por força da aplicação do artigo 26.º, n.º 4, do Regime Geral das Infrações Tributárias, aplicável ex-vi artigo 20.º, n.º 1, da Lei.
As informações acima não pretendem ser uma análise exaustiva à totalidade das alterações ao regime legal vigente, mas uma seleção daquelas que a CCR Legal entende serem as mais relevantes, e não dispensam a consulta da CCR Legal e/ou diplomas às quais as mesmas se referem. Para mais informações contacte:
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