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Legal Flash

Direito Real de Habitação Duradoura

Legal Flash: Lei de bases da habitação

Enquadramento

No passado dia 10 de janeiro, entrou em vigor o Decreto-Lei n.º 1/2020, de 9 de janeiro (“DL 1/2020”), que cria o direito real de habitação duradoura (“DHD”).

Assim, damos nota das principais características deste novo regime:

1. Objetivos

De acordo com o preâmbulo do DL n.º 1/2020, o DHD pretende ser um instrumento de política pública de habitação mais flexível e adaptável a diferentes realidades e públicos-alvo comparativamente aos atualmente existentes, apresentando-se como uma alternativa à aquisição de habitação própria e ao consequente endividamento das famílias, através, nomeadamente, da conciliação entre condições de estabilidade e segurança da solução habitacional das famílias e condições de flexibilidade e mobilidade, de forma a dar resposta aos desafios da atualidade.

2. Conceito

O DHD consiste na faculdade de uma ou mais pessoas singulares terem o gozo de uma habitação alheia como sua residência permanente por um período vitalício, mediante o pagamento ao respetivo proprietário de uma caução pecuniária e de contrapartidas periódicas.

3. Constituição

Previamente à constituição de um DHD, o proprietário deverá promover a uma avaliação do estado de conservação da habitação, a qual deverá ser realizada por um arquiteto, engenheiro ou engenheiro técnico inscrito na respetiva ordem profissional.

Caso o nível de conservação da habitação seja, no mínimo, médio, o proprietário pode constituir o DHD a favor de umas ou mais pessoas singulares, que adquirem a qualidade de moradores, que deverão receber a habitação livre de pessoas, ónus ou encargos, incluindo outos direitos ou garantias reais, designadamente hipotecas.

O contrato de DHD deverá conter, pelo menos as seguintes disposições:

  • (i) Menção à aplicação do regime do DL 1/2020;
  • (ii) O montante da caução e das prestações pecuniárias mensais e anuais a serem pagas pelo morador;
  • (iii) A declaração de que o morador aceita o estado de conservação da habitação, tal como consta do resultado da avaliação prévia (a qual deve identificar as condições existentes na habitação há menos de 12 meses), devendo este documento ficar anexo ao contrato;
  • (iv) O endereço postal das partes e, caso assim o queiram, o endereço eletrónico a utilizar para efeito de todas as comunicações a realizar no âmbito da DHD (exceto no que à cessão do contrato diz respeito, a qual deverá ser efetuada obrigatoriamente através de carta registada com aviso de receção).

No ato de celebração do contrato, o morador deverá entregar ao proprietário as quantias correspondentes à caução e à primeira prestação mensal.

Quanto à forma, o contrato de DHD deverá ser realizado por escritura pública ou por documento particular no qual as partes tenham as suas assinaturas presencialmente reconhecidas.

O morador deverá proceder à inscrição do DHD junto do registo predial, no prazo de 30 dias a contar da data da sua constituição.

4. Caução

O morador deverá prestar uma caução pecuniária, cujo montante deverá ser estabelecido por acordo das partes e pode variar entre 10% e 20% do valor mediano das vendas por m2 de alojamentos familiares, por freguesia, aplicável em função da localização da habitação e da área constante da respetiva caderneta predial, de acordo com a última atualização divulgada pelo Instituto Nacional de Estatística, I. P., sendo considerado o valor de menor unidade territorial para fins estatísticos em que a habitação esteja localizada no caso de indisponibilidade do valor por freguesia.

A caução é prestada pelo prazo de 30 anos, sendo o seu valor gradualmente reduzido a uma taxa de 5% ao ano a partir do início do 11.º ano, redução essa realizada através de dedução do valor da mesma a favor do proprietário.

Importa salientar que, para que o proprietário possa, em caso de extinção do contrato, compensar montantes em dívida pelo morador com o valor da caução, deverá dispor de comprovativos das comunicações enviadas ao morador a solicitar o pagamento dos referidos montantes, com a respetiva fundamentação, e cópia dos documentos comprovativos dos mesmos.

5. Contrapartidas

Este regime prevê que sejam pagas ao proprietário duas contrapartidas:

  • (i) A prestação pecuniária mensal, por cada mês de duração do DHD, cujo montante é estabelecido no contrato; e
  • (ii) A prestação pecuniária anual, por cada ano efetivamente decorrido desde o 11.º ano até ao final do 30º ano, correspondente a 5% do valor inicial da caução e paga através de dedução na caução.

Caso as partes não estipulem o regime da atualização da prestação mensal, a mesma poderá ser atualizada anualmente, por iniciativa do proprietário, por aplicação da taxa de variação do Índice de Preços no Consumidor, sem habitação, dos últimos 12 meses disponíveis, através de comunicação enviada ao morador com uma antecedência nunca inferior a 60 dias.

6. Obrigações do proprietário

Deste regime decorrem, nomeadamente, as seguintes obrigações para o proprietário:

  • (i)  Assegurar que a habitação é entregue ao morador em estado de conservação, no mínimo, médio;
  • (ii)  Pagar, na parte relativa à habitação, os custos de obras e demais encargos relativos às partes comuns do prédio e, no caso de condomínio constituído, pagar as quotizações e cumprir as demais obrigações enquanto condómino;
  • (iii)  Assegurar a vigência, a todo o tempo, de seguros relativos ao prédio e à habitação que sejam legalmente obrigatórios;
  • (iv)  Realizar e suportar o custo das obras de conservação extraordinária na habitação, salvo se as anomalias existentes resultarem de atos ilícitos e/ou do não cumprimento de obrigações por parte do morador;
  • (v)  Gerir o montante recebido a título de caução e, com a extinção do DHD, assegurar a sua devolução ao morador nos casos e termos previstos neste regime.

7. Obrigações do morador

O morador é responsável, nomeadamente, por:

  • (i) Utilizar a habitação exclusivamente para sua residência permanente (o que não exclui a possibilidade do morador utilizar parte da habitação para outro fim, desde que devidamente autorizado pelo proprietário);
  • (ii) Pagar as taxas municipais e entregar ao proprietário os montantes relativos ao Imposto Municipal sobre Imóveis;
  • (iii) Promover ou permitir a realização das avaliações do estado de conservação da habitação e, salvo nos casos legalmente previstos, pagar o respetivo custo;
  • (iv) Realizar e suportar o custo das obras de conservação ordinária na habitação;
  • (v) Consentir ao proprietário a realização das obras de conservação extraordinária na habitação e informá-lo logo que tenha conhecimento da existência de anomalias na mesma cuja reparação seja obrigação do mesmo.

O morador deve ainda remeter ao proprietário, até ao termo de cada período de oito anos de vigência de DHD, ficha de avaliação atualizada do nível de conservação da habitação, elaborada há menos 12 meses ou optar por permitir ao proprietário o acesso à habitação para esse efeito. Caso a avaliação ateste (i) que o nível de conservação é inferior a médio e (ii) que as anomalias existentes resultam da não realização de obras de conservação ordinária, o morador, no prazo máximo de seis meses a contar da data da ficha de avaliação, deve promover a realização das obras necessárias à reposição do nível médio de conservação e confirmá-lo através de nova avaliação.

8. Obras

O morador pode realizar obras que, não alterando a estrutura nem comprometendo as condições de segurança e salubridade da habitação, tenham como objetivo:

  • (i) Introduzir soluções de eficiência energética e hídrica; e
  • (ii) Integrar soluções de acessibilidade destinadas a pessoas com mobilidade e autonomia condicionadas.

Quaisquer benfeitorias realizadas pelo morador na habitação, e independentemente da sua natureza, não poderão ser levantadas nem conferem direito a qualquer compensação.

9. Transmissão da habitação e transmissão e oneração do DHD

O proprietário pode livremente transmitir a terceiros a propriedade onerada com o DHD, seja de forma onerosa ou gratuita, não podendo, no entanto, constituir outros direitos ou garantias reais sobre a mesma, com exceção da hipoteca. Caso esta transmissão seja realizada para o próprio morador, este pode utilizar o montante da caução ao qual tenha direito para compensar, total ou parcialmente, a obrigação de pagamento do preço.

O DHD não é transmissível mortis causa e, enquanto em vigor, só poderá ser transmitido no caso de execução da hipoteca constituída pelo morador para garantir um crédito destinado, no todo ou em parte, a pagar o valor da caução.

Em caso de constituição de hipoteca sobre o DHD, com a extinção deste por aquisição da propriedade por parte do morador, a hipoteca transfere-se para a propriedade da habitação.

10. Extinção do direito real de habitação duradoura

Com a extinção do DHD, o morador fica obrigado a entregar a habitação ao proprietário com o nível de conservação de, no mínimo, médio, ficando o proprietário obrigado a devolver o saldo da caução. O crédito do morador pela não devolução pelo proprietário do saldo da caução que lhe seja devido pela extinção do DHD goza de privilégio imobiliário especial sobre a habitação.
A cessação unilateral pelo morador do contrato de DHD onerado com hipoteca só produzirá efeitos se a correspondente comunicação incluir a declaração do credor hipotecário a autorizar o cancelamento da hipoteca.

11. Caducidade

O DHD caduca com a morte do morador, que deverá ser comunicada ao proprietário pelos restantes membros do agregado familiar no prazo de 3 meses a contar da data do óbito. Caso o DHD tenha sido constituído a favor de mais que uma pessoa, o mesmo só caduca com a morte da última delas.

12. Renúncia do morador

O DHD caduca com a morte do morador, que deverá ser comunicada ao proprietário O morador pode renunciar livremente ao DHD devendo, para o efeito, enviar ao proprietário, por carta registada com aviso de receção, com uma antecedência mínima de 90 dias em relação à data de entrega da habitação, uma declaração com assinatura presencialmente reconhecida, com a ficha de avaliação da habitação comprovativa de um nível de conservação da mesma, no mínimo, médio.

Caso o DHD esteja hipotecado, o morador deverá igualmente juntar a declaração do credor hipotecário a autorizar o cancelamento da hipoteca.

Com a renúncia do morador, o proprietário deverá devolver o montante correspondente ao saldo da caução, nos prazos legalmente previstos.

13. Incumprimento definitivo e resolução contratual

Qualquer uma das partes pode resolver o contrato de constituição de DHD, nos termos gerais de direito aplicáveis e do disposto no DL 1/2020, por incumprimento definitivo da contraparte.

Relevamos, como causa de incumprimento definitivo do DHD o não pagamento, total ou parcial, por qualquer das partes dos montantes devidos à contraparte, após o termo do prazo da interpelação legalmente prevista, bem como a reincidência de constituição em mora por parte do morador, com pagamento da dívida antes do termo do prazo estabelecido na interpelação legalmente prevista, por mais do que três, quatro ou cinco vezes seguidas ou interpoladas, consoante o contrato vigore, respetivamente, há menos de 15 anos, há mais de 15 anos e menos de 30 anos ou há mais de 30 anos.

A resolução do contrato de DHD por qualquer das partes é decretada nos termos da lei de processo (i.e., judicialmente), salvo no caso de resolução contratual pelo proprietário com fundamento no não pagamento pelo morador da contrapartida mensal do DHD, a qual opera por comunicação do proprietário ao morador, a efetuar no prazo máximo de seis meses, sob pena de caducidade do direito de resolver o contrato.

14. Entrega da habitação

Com a extinção do DHD, o morador deverá entregar a habitação, livre de pessoas, no prazo máximo de 3 meses a contar da data do ato ou da ocorrência determinante da extinção, exceto nos casos de renúncia pelo morador, em que a entrega deverá ocorrer até à data de produção de efeitos da mesma.
Até à entrega da habitação, o morador paga ao proprietário uma indemnização pela sua utilização a título precário, de valor diário proporcional ao montante da última prestação mensal praticada à data da extinção.


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